Segue abaixo uma crônica do genial Luís Fernando Veríssimo, que ao ler este blog (tenho sérias suspeitas de que ele lê diariamente este espaço) dirá laconicamente:
- Legal.
E não processará o Blogueiro. Mesmo porque, todos os créditos estão resguardados.
Vocações
Com o fim do ano escolar e a
aproximação dos vestibulares, o pensamento dos jovens se vira para assuntos
sérios como o futuro enquanto seu corpo tenta convencê-lo a só relaxar e
aproveitar as férias. É a velha luta entre neurônios e hormônios chamada
adolescência, tornada mais grave pelo calor e a obrigação de decidir o que se
vai ser na vida. É quando os jovens precisam pensar na sua vocação.
A vocação envolve questões
como genética x cultura, hereditariedade x influência do meio - enfim, esse
antigo torneio de teorias que nunca se decide. Por que certas pessoas “dão”
para certas coisas e outras não? Mais especificamente, por que eu sou um zero
em matemática enquanto tantos à minha volta não só sabem fazer contas como
gostam? Meu cérebro já nasceu decidido a rechaçar qualquer tentativa de
introduzirem nele a raiz quadrada ou isso foi uma decisão minha que ele acatou?
O fato é que há pessoas que querem ser dentistas desde pequenas e outras que
não apenas não concebem como alguém possa ter uma vocação assim como têm que se
controlar para não morder seu dedo, revoltadas.
Há anos que se discute a
divisão entre a cultura científica e a cultura humanística e é quase como se
falassem de duas raças humanas diferentes. Os que defendem que a divisão não é
genética sustentam que não dá para saber, pelo comportamento da criança até os
seus 5 anos, se ela vai ser de uma cultura ou de outra.
Se o garoto gosta de abrir a
barriga do ursinho tanto pode significar que ele vai ser um cirurgião ou um
médico legista quanto que vai ser filósofo e estripador nas horas vagas. O meio
é que determina a vocação e o destino. Condicionado pelo meio, o filho de um
médica teria naturalmente mais chances de ser um médico também enquanto o filho
de um filósofo estripador teria muito mais chances de acabar na cadeia, ou
escrever um livro de memórias sensacional. Já outros sustentam que a genética é
tudo e que no espermatozóide que fecunda o óvulo já está o contador ou o poeta,
o advogado ou o engenheiro, o ator ou (por alguma razão) o dentista. E há os
que garantem que o espermatozóide não decide nada, pode chegar no óvulo com os
planos que quiser, cheio de ânimo e moral - afinal, derrotou milhões de outros
espermatozóides na corrida para ser o primeiro, é natural que se sinta um
vencedor e capaz de tudo - pois quem decide mesmo é o óvulo.
- Presidente da República
coisa nenhuma. Contrabaixista e numismata.
- Mas, mas... - tenta
protestar o espermatozoide.
- Quieto. Lembre-se de que você
é o intruso aqui. Eu estou em casa. E na minha casa mando eu!
Seja por influência do meio
ou por compulsão genética, o fato é que a partir de uma certa idade nós todos
sabemos se queremos abrir barrigas ou não. É verdade que muitas vezes a pessoa
chega ao vestibular sem uma idéia muito clara do que vai ser:
- Estou entre Letras,
Educação Física e Oceanografia...
Mas o comum é a pessoa saber
pelo menos se é da raça científica ou da humanística e depois escolher entre as
opções de cada uma. O que não impede os mal-entendidos. Lembro como eu gostava
daqueles problemas matemáticos com historinha, tipo "Se um trem sai de uma
estação a tal hora viajando a tantos quilômetros por hora e outro sai de outra
estação a tantos quilômetros de distância na mesma hora e na mesma velocidade
mas o maquinista precisa passar em casa e perde cinco minutos..." ou
"Se uma mãe tem três pedaços de laranja para repartir entre cinco
filhos..." Cheguei a pensar que meu cérebro gostava de contas e minha vocação
era para ciências exatas, até me dar conta de que eu não gostava de matemática.
Gostava era das historinhas.
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