quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Uma crônica de Luís Fernando Veríssimo aos estudantes do 3ºão.

Não sei se me causará algum transtorno jurídico mas, publico uma crônica do aniversariante do dia que acredito irá ajudar meus alunos do Ensino Médio, sobretudo os terceiroanistas, em vias de escolher (ou de não conseguir escolher) qual curso prestar e consequentemente, qual carreira seguir.

Segue abaixo uma crônica do genial Luís Fernando Veríssimo, que ao ler este blog (tenho sérias suspeitas de que ele lê diariamente este espaço) dirá laconicamente:

- Legal.

E não processará o Blogueiro. Mesmo porque, todos os créditos estão resguardados.




Vocações

Com o fim do ano escolar e a aproximação dos vestibulares, o pensamento dos jovens se vira para assuntos sérios como o futuro enquanto seu corpo tenta convencê-lo a só relaxar e aproveitar as férias. É a velha luta entre neurônios e hormônios chamada adolescência, tornada mais grave pelo calor e a obrigação de decidir o que se vai ser na vida. É quando os jovens precisam pensar na sua vocação.

A vocação envolve questões como genética x cultura, hereditariedade x influência do meio - enfim, esse antigo torneio de teorias que nunca se decide. Por que certas pessoas “dão” para certas coisas e outras não? Mais especificamente, por que eu sou um zero em matemática enquanto tantos à minha volta não só sabem fazer contas como gostam? Meu cérebro já nasceu decidido a rechaçar qualquer tentativa de introduzirem nele a raiz quadrada ou isso foi uma decisão minha que ele acatou? O fato é que há pessoas que querem ser dentistas desde pequenas e outras que não apenas não concebem como alguém possa ter uma vocação assim como têm que se controlar para não morder seu dedo, revoltadas.

Há anos que se discute a divisão entre a cultura científica e a cultura humanística e é quase como se falassem de duas raças humanas diferentes. Os que defendem que a divisão não é genética sustentam que não dá para saber, pelo comportamento da criança até os seus 5 anos, se ela vai ser de uma cultura ou de outra. 

Se o garoto gosta de abrir a barriga do ursinho tanto pode significar que ele vai ser um cirurgião ou um médico legista quanto que vai ser filósofo e estripador nas horas vagas. O meio é que determina a vocação e o destino. Condicionado pelo meio, o filho de um médica teria naturalmente mais chances de ser um médico também enquanto o filho de um filósofo estripador teria muito mais chances de acabar na cadeia, ou escrever um livro de memórias sensacional. Já outros sustentam que a genética é tudo e que no espermatozóide que fecunda o óvulo já está o contador ou o poeta, o advogado ou o engenheiro, o ator ou (por alguma razão) o dentista. E há os que garantem que o espermatozóide não decide nada, pode chegar no óvulo com os planos que quiser, cheio de ânimo e moral - afinal, derrotou milhões de outros espermatozóides na corrida para ser o primeiro, é natural que se sinta um vencedor e capaz de tudo - pois quem decide mesmo é o óvulo.

- Presidente da República coisa nenhuma. Contrabaixista e numismata.

- Mas, mas... - tenta protestar o espermatozoide.

- Quieto. Lembre-se de que você é o intruso aqui. Eu estou em casa. E na minha casa mando eu!

Seja por influência do meio ou por compulsão genética, o fato é que a partir de uma certa idade nós todos sabemos se queremos abrir barrigas ou não. É verdade que muitas vezes a pessoa chega ao vestibular sem uma idéia muito clara do que vai ser:

- Estou entre Letras, Educação Física e Oceanografia...

Mas o comum é a pessoa saber pelo menos se é da raça científica ou da humanística e depois escolher entre as opções de cada uma. O que não impede os mal-entendidos. Lembro como eu gostava daqueles problemas matemáticos com historinha, tipo "Se um trem sai de uma estação a tal hora viajando a tantos quilômetros por hora e outro sai de outra estação a tantos quilômetros de distância na mesma hora e na mesma velocidade mas o maquinista precisa passar em casa e perde cinco minutos..." ou "Se uma mãe tem três pedaços de laranja para repartir entre cinco filhos..." Cheguei a pensar que meu cérebro gostava de contas e minha vocação era para ciências exatas, até me dar conta de que eu não gostava de matemática. Gostava era das historinhas.

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