A
documentarista francesa Marie-Monique Robin, autora de O Mundo Segundo a
Monsanto, dedicou três anos de sua vida para desvendar como uma
indústria de químicos virou a maior companhia mundial de sementes
geneticamente modificadas (transgênicas) e uma das empresas mais
influentes do planeta, segundo a revista Business Week. Marie trabalha
há 25 anos com matérias investigativas e recebeu prêmios como o Albert
Londres, em 1995, concedido a um documentário sobre o tráfico
internacional de órgãos. Em 2004, ela foi aclamada na Europa ao produzir
o também premiado Esquadrões da Morte: a escola francesa, sobre a
relação do governo francês com ditaduras da América Latina, nos anos 70.
Para escrever a história da Monsanto, Marie analisou 500 mil páginas de
documentos e viajou à Grã-Bretanha, Estados Unidos, Índia, México,
Brasil, Vietnã e Noruega.
A escritora foi entrevistada pela jornalista Juliana Arini. A entrevista foi publicada pela revista Época, 07-01-2009.
O
livro O Mundo Segundo a Monsanto virou um documentário feito pela
agência de cinema do Canadá. Para investigar a história, passou cinco
anos levantando 500 mil páginas de documentos e viajando para
Grã-Bretanha, Índia, México, Paraguai, Brasil, Vietnã, Noruega e Itália.
Eis a entrevista.
Existem
outras companhias que também desenvolvem a biotecnologia e possuem
patentes sobre sementes. Por que fazer um livro exclusivamente sobre a
Monsanto?
Há
cinco anos, quando trabalhava em três documentários sobre
biodiversidade e os organismos geneticamente modificados – e ainda
acreditava que eles não teriam problemas – eu acabei viajando muito. Fui
para Canadá, México, Argentina, Brasil e Índia, e em todas essas
regiões eu sempre encontrava denúncias contra a Monsanto. Foi quando eu
decidi buscar quem é essa companhia que agora é a maior produtora de
biotecnologia e de alimentos geneticamente modificados do planeta.
E como seria esse mundo segundo a Monsanto que você descobriu?
Cheio
de pesticidas. Cerca de 70% dos alimentos geneticamente modificados são
feitos para serem plantados com uso do agrotóxico Roundup. Ao comer uma
transgênico, a pessoa está praticamente ingerindo Roundup. E, ao
contrário do que propagou a Monsanto, esse pesticida não é bom ao meio
ambiente e muito menos biodigradável. Ele é muito tóxico. Tenho certeza
de que nos próximos cinco anos ele vai ser proibido no mundo, tal como
aconteceu com outro produto da companhia, o DDT. O mundo segundo a
Monsanto também é dominado por monoculturas. O que é um problema para a
segurança alimentar, pois concentra a produção de alimentos na mão de
poucos. Também considero arriscado deixar a alimentação mundial na mão
de companhias que no passado produziam venenos e armas químicas como o
agente laranja, despejado por tropas americanas no Vietnã.
Os transgênicos são festejados por reduzirem o uso de pesticidas. Eles não teriam ao menos esse lado bom?
Não,
isso é mentira. Os transgênicos não reduzem o uso de agrotóxicos. Pelo
contrário, eles geram ervas daninhas cada vez mais resistentes aos
agrotóxicos. Os transgênicos são apenas uma forma da Monsanto controlar a
produção de alimentos no mundo.
Como uma empresa pode ter todo esse poder? Isso não é teoria da conspiração?
Não,
de forma alguma. Tenho todas as denúncias que faço baseada em
documentos e estudos científicos. Esse monopólio sobre a comida é um
processo que acontece há um tempo. Ele começou com a permissão das
patentes das sementes, na década de 80. Isso deu às empresas
exclusividade sobre as sementes que selecionam. Depois, vieram as
chamadas plantas híbridas, que são estéreis e não produzem outras
sementes. E por último, houve os royalities sobre os transgênicos.
Agoras as multinacionais podem cobrar para si, uma parte do lucro da
colheita dos fazendeiros. Os transgênicos também são produzidos para
reagirem com produtos específicos. No caso da Monsanto, 70% tem que ser
plantado com o Roundup. O que obrigados o produtor a comprar sementes e
agrotóxicos da mesma empresa.
Outras multinacionais produzem nesse mesmo padrão. O que comprova que a Monsanto quer controlar a comida do mundo?
Após
a liberação da venda dos transgênicos, a Monsanto começou a comprar
todas as produtoras de sementes do mundo. Hoje, ela é a maior produtora
de sementes do planeta. O resultado é que se um fazendeiro quiser mudar
sua produção de transgênicos, e voltar ao tradicional, daqui a alguns
anos, provavelmente ele não vai conseguir mais, pois só vão existir
sementes transgênicas, e da Monsanto. Essa já é uma realidade com a soja
dos Estados, e o trigo, na Índia. Nos EUA existem processos contra a
Monsanto por monopólio, algo similar ao que aconteceu com a empresa de
tecnologia Microsoft.
E qual seria interesse da empresa em controlar a produção de alimentos?
Ele
querem manter o agrotóxico Roundup no mercado, o produto que responde
por 45% do lucro da companhia. Acho que se o Roundup for banido, como
acredito que possa acontecer daqui a alguns anos, os transgênicos vão
desaparecer. Sem o Roundup, não é interessante ter transgênico.
Por
que culpar exclusivamente a Monsanto pelas armas químicas do Vietnã? A
opção por usar armas químicas foi do governo americano, e não das
companhias. E outras empresas também venderam químicos ao governo dos
EUA.
A
venda de agente laranja para o governo americano foi um dos negócios
mais lucrativos da Monsanto. Mas hoje, nenhuma das empresas que lucraram
com esse processo quer se responsabilizar. No Vietnã, eu vi hospitais
repletos de crianças deformadas, que nascem assim até hoje, porque o
ambiente continua contaminado. Além do agente laranja, também usaram
bifenil policlorado (um produto banido no mundo) nas misturas jogadas no
país, e que a própria Monsanto sabia serem tóxicas desde 1937. Nem os
soldados americanos foram alertados para os riscos. Como confiar que uma
companhia com essa história domine a produção de alimentos?
Qual é a prova que a Monsanto sabia que estava vendendo algo tóxico?
Em
2002, os moradores de Annistion, no EUA, ganharam o direito de uma
indenização de US$ 700 milhões de dólares da Monsanto. A empresa foi
condenada por contaminar o meio ambiente e as pessoas da cidade com a
sua fábrica química. Documentos mostram que desde 1937 a Monsanto sabiam
dos riscos da toxidade dos PCBs.
Os
produtos da Monsanto são aprovados por agências como a FDA, que regula
alimentos e medicamentos nos EUA. Como dizer que a FDA e outras agências
internacionais estão sendo enganadas?
A
Monsanto usa seu poder econômico para pressionar governos e também
infiltra seus ex-funcionários em cargos políticos. Esse processo é
conhecido como portas giratórias. Tem casos célebres como a de Linda
Fisher, que era funcionária da Agência Americana de Proteção Ambiental, e
depois foi trabalhar na Monsanto, em 1995, e acabou retornando para
EPA, em 2001.
Se a empresa possui toda essa blindagem, então não há solução?
Acho
que só os consumidores podem evitar um problema maior. Na Europa isso
já começou. Ninguém quer consumir transgênicos que não foram testados.
Estão todos assustados com a atual epidemia de câncer.
Mas qual a ligação do câncer com os transgênicos?
Ainda
estou pesquisando o assunto. O meu próximo livro vai ser exatamente
sobre isso, a relação entre a comida que consumimos depois da Revolução
Verde e o aumento de doenças como o câncer e o Parkison. O mais
interessante, um processo que começou justamente entre os próprios
agricultores, o mais expostos aos agrotóxicos.
(Ecodebate, 12/01/2009) publicado pelo IHU On-line,
010/01/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos -
IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São
Leopoldo, RS.]
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http://www.ecodebate.com.br/2009/01/12/a-monsanto-nao-e-confiavel-entrevista-com-marie-monique-robin/
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