sábado, 13 de abril de 2013

"Canteiros" de polêmicas.

Canteiros é uma das mais belas letras do cancioneiro popular brasileiro.

De autoria do cantor cearense Fagner, a canção estourou na sua estreia e desde então tem sido cantada e recantada por artistas de igual talento.

Eis que mal chegou às rádios e a autoria da letra foi questionada, na justiça inclusive, pelos descendentes da Poeta (ou Poetisa) Cecília Meireles, que alegavam que alguns versos da letra haviam sido copiados do poema "Marcha", da escritora.

O processo se arrastou por mais de 20 anos e envolveu não apenas o cantor, mas a gravadora e só terminou com um acordo indenizatório da gravadora às filhas da escritora e a permissão da regravação da canção no ano seguinte, como explica o próprio Fagner em seu site (clique aqui).

Segue abaixo o poema "Marcha" (com destaque para o trecho que tanta discórdia gerou) e a letra da bela canção, "Canteiros".

E mais abaixo, a canção.

Que como obra prima artística da MPB que é, sobreviveu (felizmente) às celeumas éticas, às discussões autorais e principalmente, às demandas judiciais.

Marcha (Cecília Meireles)
As ordens da madrugada
romperam por sobre os montes:
nosso caminho se alarga
sem campos verdes nem fontes.


Apenas o sol redondo
e alguma esmola de vento
quebraram as formas do sono
com a ideia do movimento.


Vamos a passo e de longe;
entre nos dois anda o mundo,
com alguns vivos pela tona,
com alguns mortos pelo fundo.


As aves trazem mentiras
de países sem sofrimento.

Por mais que alargue as pupilas,
mais minha duvida aumento.


Também não pretendo nada
senão ir andando a toa,
como um numero que se arma
e em seguida se esboroa,


- e cair no mesmo poço
de inércia e de esquecimento,
onde o fim do tempo soma
pedras, águas, pensamento.


Gosto da minha palavra
pelo sabor que lhe deste:
mesmo quando é linda, amarga
como qualquer fruto agreste.


Mesmo assim amarga,
é tudo que tenho,
entre o sol e o vento:
meu vestido, minha musica,
meu sonho, meu alimento.


Quando penso no teu rosto,
fecho os olhos de saudades;
tenho visto muita coisa,
menos a felicidade.


Soltam-se os meus dedos tristes,
dos sonhos claros que invento.

Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento.

Como tudo sempre acaba,
Oxalá seja bem cedo!

A esperança que falava
tem lábios brancos de medo.


O horizonte corta a vida
isento de tudo, isento…

Não há lagrima nem grito:
apenas consentimento.


Canteiros (Fagner)
Quando penso em você
Fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa
Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos
Em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego
Já me dá contentamento


Pode ser até manhã
Cedo, claro, feito o dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria

Eu só queria ter do mato
Um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros
E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza
Deixemos de coisa, cuidemos da vida
Senão chega a morte
Ou coisa parecida
E nos arrasta moço
Sem ter visto a vida

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um toco sozinho...
São as águas de março fechando o verão
É promessa de vida em nosso coração.



(Fagner, baseado no poema "Marcha" de Cecília Meirelles Músicas incidentais: Na hora do almoço (Belchior), Águas de Março (Antonio C. Jobim).



Nenhum comentário:

Postar um comentário