“Expuã: algo precisa ser mudado”.
Por Orandes Rocha.
Peço licença aos leitores do jornal para
mudar o tema desta coluna.
Tradicionalmente escrevo sobre Educação aqui
neste espaço, mas hoje gostaria de mudar a nota do samba e falar sobre outro
assunto que sempre que posso divago sobre: Expuã.
Minhas divagações começam pela origem da
festa, traçando um breve histórico que começa no ano de 1990 quando pela
primeira vez em nossa cidade o poder público, leia-se Administração Municipal,
resolver instituir um evento anual com shows e entretenimento para a população
além de arrecadar fundos para as entidades beneficentes.
Nascia assim a Feira da Bondade, que durante
muitos anos foi realizada na praça da Rodoviária, com shows modestos e gratuita
para a população.
Em 1995, com a construção de um recinto de
festas para abrigar a Feira da Bondade e outros eventos, uma vez que a praça da
rodoviária tornara-se apertada para o público e ausente de qualquer infraestrutura
(sanitários, etc...), invariavelmente depredada nos dias de festa, o evento não
apenas foi transferido para o recém construído recinto, como ganhou uma nova
festa, a Expuã, mantendo o caráter beneficente porém conferindo ares de festa
de exposição agropecuária.
Além de encampar o Rodeio de Touros, tradicional
festa da cidade que era realizado em agosto, e que desde então passou a fazer
parte do conglomerado: Expuã/Feira da Bondade/Rodeio.
Com a criação do recinto, veio com ele a
cobrança de ingressos na entrada, à época taxas simbólicas.
E até o ano de 2001 a festa seguiu este
modelo: preços mais acessíveis, porém com shows de médio porte.
Após aquele ano, surgiu o impasse:
De um lado a Feira da Bondade, festa
realizada com objetivo de ajudar as entidades assistenciais do Município, que
nos dias de festa montam suas barraquinhas e vendem produtos diversos para
complementar suas rendas anuais.
De outro, a Expuã, que com seus shows de
artistas de renome porém a custa de ingressos mais caros..
Tal discussão mudaria para sempre o modo de
se fazer a festa em nossa cidade, mais que isso, criaria uma crise de
identidade no evento.
O tempo trataria de mostrar que tais festas
são incompatíveis.
Não dá pra ser beneficente trazendo prejuízo
aos cofres municipais.
Enquanto rodeios em cidades vizinhas já deram
mais de R$ 150.000,00 de lucro aos organizadores, a Expuã traz ao erário
municipal um prejuízo acima de R$ 300.000,00.
Prejuízo financeiro, fique bem claro, pois há
as benesses: renda para as entidades, lazer para a população etc...
E por que deste prejuízo?
Porque nas cidades vizinhas nem sempre é a
Prefeitura quem organiza, no máximo contribui com algum generoso patrocínio bem
longe do valor que gastaria sendo ela a mantenedora da festa.
E quando é a Prefeitura a organizadora destes
eventos em cidades vizinhas ela vale-se de duas importantes fontes de
arrecadação inexistentes em nossa cidade:
1. O aluguel de barraquinhas dentro do
recinto.
2. Grandes patrocínios de grandes empresas da
cidade e região.
O primeiro, impossível de ser praticado em
nossa cidade em razão do caráter beneficente do evento que leva ao monopólio do
comércio interno da festa na mão das entidades.
Que fique bem claro que não sou contra tal
monopólio, só acho que ele não convive com o padrão de festa impresso desde
2002 e que desde então, ou se mantém o mesmo "glamour", ou corre-se o
risco de ser ridicularizado pela população.
E o segundo, a inexistência de grandes
empresas em nossa cidade e o desinteresse das poucas existentes em Ipuã e
região e também da elite local em patrocinar a festa.
A Prefeitura apega-se então aos pequenos e
médios patrocínios do comércio local, que embora seja de grande ajuda, nem de
longe pagam as despesas dos shows grandiosos a que assistimos.
A Expuã vive hoje uma crise de identidade sem
precedentes, ela quer continuar beneficente, pois o trabalho das entidades da
cidade é sofrido e necessita desta importante arrecadação para poder continuar
desenvolvendo-o com a competência habitual, porém na outra ponta, existe um
público exigente que anseia por grandes artistas e uma Festa em padrões que a
economia da cidade e o poder de compra do Ipuanense, nem sempre suportam.
E no meio disso tudo, uma Prefeitura sem
dinheiro, que vê na cobrança de ingressos a principal fonte de arrecadação para
minorar o rombo que uma festa desta promove nos cofres públicos; mas não pode
cobrar muito caro pois há a questão social de promover lazer à população; a
questão assistencial, de dar dar maior poder de compra aos cidadãos para
consumir dentro da festa; e a questão política, que é hipocrisia dizer que não
pesa como variável na hora de organizar a festa.
Venho dizendo que há anos insistimos num
modelo falido de promover eventos no Município, indício de que ou se preocupa
com a auto-sustentabilidade da Expuã, por meio de ações eficazes e não apenas
paliativos, ou ficaremos sempre a mercê do “humor da fazenda municipal” a cada
edição do evento ou das prioridades desta ou daquela administração.
Trata-se de um modelo errôneo de gestão de
eventos, iniciado exatamente quando optou-se por fazer da Expuã/Feira da
Bondade, um evento grandioso, cheio de pompa, coexistindo com a ação
beneficente que tradicionalmente - e originalmente – caracteriza nossa festa.
Desde que percebi a contradição entre a Expuã
e a Feira da Bondade, nos tempos de vereador e mais clarividente na única vez
em que quis colaborar com a sua organização, em 2005, comecei a considerar a
hipótese de que um dia, o problema viria a tona, e obviamente, mais que ficar
divagando sobre causas e efeitos, eu deveria pensar também numa possível
alternativa.
Criticar é fácil, propor alguma coisa requer
um pouco mais de coragem.
Sempre falei sobre o assunto reservadamente,
até porque quando fazia parte da Administração Municipal, eu evitava, pois
existia o risco de que minhas teorias e ideias fossem tomadas não como opiniões
próprias, mas como indícios de que o Governo Municipal sinalizaria no mesmo
sentido.
O que não seria verdade, pois estas são
ideias muito particulares acerca de uma questão polêmica, mas em política tudo
pode virar fato e prejudicar a sequência de um trabalho, e eu não queria isso.
Minha alternativa para a questão é uma só:
Separar as festas.
Teríamos então não uma, mas duas datas
festivas em nossa cidade.
Uma, seria a Feira da Bondade, com a
Prefeitura organizando como sempre fez, montando as barraquinhas e cedendo-as
gratuitamente às entidades do Município para que estas pudessem arrecadar
verbas complementares.
Uma festa com atrações modestas misturadas a
artistas locais e abrindo a possibilidade para fazer um evento mais cultural
(tipo estas semanas culturais que muitas cidades fazem), com gincanas escolares
(provas esportivas, culturais e de arrecadação de alimentos, produtos de
limpeza e agasalhos), exposições artísticas, atrações teatrais, etc... e não
apenas eventos noturnos, mas ao longo do dia e para todas as “tribos”.
Outra, seria a Expuã, uma festa com a
finalidade de ser o mais auto-sustentável possível (ou com o menor prejuízo que
puder), que sem a preocupação beneficente, poderia alugar barracas e demais estandes
no seu interior.
Contaria com artistas do primeiro
escalão da música brasileira e, consequentemente, ingressos mais caros, vendios
no cartão de crédito ou mesmo parcelados em boletos, enfim, uma festa
comercial. Encampando também o Rodeio.
Sou contra a terceirização da festa, mas
acredito que pelo menos rodeios e camarotes poderiam ser terceirizados o que representaria
uma diminuição na despesa do evento e aumento na receita da mesma.
Seria uma espécie de parceria público privada
que poderia dar certo.
Tudo isso além de ações eficazes para acabar
com o derrame de ingresso que tanto prejudica a arrecadação da bilheteria.
Na minha opinião, é impossível coexistir
dentro de uma mesma festa: assistencialismo + shows grandiosos + ingressos
acessíveis + Prefeitura sem prejuízo financeiro na sua realização.
Essa matemática é impossível de ser
equacionada num mesmo evento.
Não se trata de ser a solução do problema,
nem tenho tal pretensão, apenas quis refletir sobre o assunto, coisa que nunca
fora feita antes em público, ao menos não tenho notícia de que algum outro
veículo de mídia tenha feito; reflexão que em momentos de indefinição sempre
vêm a tona, pois em tempos de fartura nunca se pensa a longo prazo.
E esta é uma ferida que ninguém nunca teve
coragem de cutucar, até agora.
Mas, é claro que tudo isso pode ser apenas
divagações sem muito valor.
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