domingo, 30 de abril de 2017

Descanse em paz velho Belch.

Perdi meu Filósofo Contemporâneo favorito.


Abaixo, a transcrição que fiz do site oficial do cantor quando ainda estava em atividade, no ano de 2007.

Uma espécie de auto biografia do cantor, bem ao seu estilo: culto, sarcástico, recheado de referências e visceral.

Atualizado às 13:00h:  Clique aqui e leia o que escrevi sobre a história da foto acima.


Meu nome é Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes. Como já sentiram o drama, um dos maiores nomes da MPB. Não chega a perfazer o alexandrino perfeito dum Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, mas pode bater-se, em evidente superioridade letrística – e consequentemente, vencer, embora com apertada margem de votos – os de Caetano Emmanuel Viana Telles Veloso e de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.
Gaúcho do sul do Ceará, nasci na muy legal cidade de Sobral, a Princesa do Norte, de uma típica família nordestina de 23 irmãos. Donde se conclui que, profissionalmente, o Sr. meu pai jogava no bicho.
Graças à padroeira do lugar, que como se depreende do caso, só podia ser Nossa Senhora da Conceição, e dos inumeráveis parentes bajuladores – aves de rapina que, diferentemente de mim, esperam ganhar a vida com meu retumbante sucesso – eu, o único Carlos Gomes da mansarada, posso, ainda hoje, dar-me ao luxo de gabar-me de ter tido sempre uma enorme plateia lá em casa. Ninguém estranhe, pois, se a cada noite de gala, vestido de branco, à baiana, ainda me benzo antes de adentrar, com o pé direito, cada palco em que me apresento: é o único gesto mágico em que ainda confio para escapar do gelo seco das estréias, das banquetas dos bateristas e, principalmente, da multidão de desocupados, de gatinhas manhosas e pingadas, de vestibulandos repetentes e Orlandos furiosos de nossa crítica musical que, inelutavelmente, lotam, com entrada grátis, meus sempre concorridos espetáculos.
Posso gabar-me de uma infância terrivelmente musical. Férias na casa do meu avô, parada certa de cegos cantadores, violeiros, ciganos violinistas, com quem o velho alternava os solos de sax e flauta. Minha mãe cantava no coro da igreja e, quando voltava pra casa, então o couro cantava. Mas deixa isso pra lá. Os tios, da zona, vagabundos e seresteiros à la Jaime Ovalle tocavam a mais pura música popular brasileira tradicional. Só que, coitadinhos, morreram disso sem deixar-me o legado de seu espírito aventureiro. Mas Ray Charles arrasava na vitrola de Dona Celeste e eu, já naquelas alturas, antevendo a cegueira mental que iria trazer-me ao sucesso de hoje, poderia dar os olhos da cara para cantar como ele.
Por estranho que possa parecer, vem de lá minha singular familiaridade com o sucesso. Os irmãos Silva – Orlando, Anísio e Roberto – levaram-me insensivelmente aos laços de amizade com os irmãos Andrade do Modernismo. Eles são Mário, Carlos e Osvald que, por sua vez, me depositaram no colo dos irmãos Campos do concretismo, Augusto e Haroldo – onde estou até hoje e, queiram ou não as musas mais amenas, ficarei para sempre. Ah! não vou esquecer os Irmãos Jovem Guarda – Erasmo Carlos, um elogio da loucura e Roberto Carlos, Rei da Juventude, um rei meu, que sou eterno rapaz latino-americano embora republicano.
Para terminar, o inevitável conselho aos novos: não aceitem conselhos de gente como eu. Não me sigam que não sou novela. Aliás, mestres como eu não gostam de ser seguidos; nem pela polícia, nem por investigadores matrimoniais, regiamente pagos por suas mulheres, nem muito menos por discípulos. Façam como eu: inventem. Ou melhor, não façam como eu: inventem”.

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