Abaixo, a transcrição que fiz do site oficial do cantor quando ainda estava em atividade, no ano de 2007.
Uma espécie de auto biografia do cantor, bem ao seu estilo: culto, sarcástico, recheado de referências e visceral.
Atualizado às 13:00h: Clique aqui e leia o que escrevi sobre a história da foto acima.
Meu nome é Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes. Como já sentiram o drama, um dos maiores nomes da MPB. Não chega a perfazer o alexandrino perfeito dum Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, mas pode bater-se, em evidente superioridade letrística – e consequentemente, vencer, embora com apertada margem de votos – os de Caetano Emmanuel Viana Telles Veloso e de Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.
Gaúcho
do sul do Ceará, nasci na muy legal cidade de Sobral, a Princesa do Norte, de
uma típica família nordestina de 23 irmãos. Donde se conclui que,
profissionalmente, o Sr. meu pai jogava no bicho.
Graças
à padroeira do lugar, que como se depreende do caso, só podia ser Nossa Senhora
da Conceição, e dos inumeráveis parentes bajuladores – aves de rapina que, diferentemente
de mim, esperam ganhar a vida com meu retumbante sucesso – eu, o único Carlos
Gomes da mansarada, posso, ainda hoje, dar-me ao luxo de gabar-me de ter tido
sempre uma enorme plateia lá em casa. Ninguém estranhe, pois, se a cada noite
de gala, vestido de branco, à baiana, ainda me benzo antes de adentrar, com o
pé direito, cada palco em que me apresento: é o único gesto mágico em que ainda
confio para escapar do gelo seco das estréias, das banquetas dos bateristas e,
principalmente, da multidão de desocupados, de gatinhas manhosas e pingadas, de
vestibulandos repetentes e Orlandos furiosos de nossa crítica musical que,
inelutavelmente, lotam, com entrada grátis, meus sempre concorridos
espetáculos.
Posso
gabar-me de uma infância terrivelmente musical. Férias na casa do meu avô,
parada certa de cegos cantadores, violeiros, ciganos violinistas, com quem o
velho alternava os solos de sax e flauta. Minha mãe cantava no coro da igreja
e, quando voltava pra casa, então o couro cantava. Mas deixa isso pra lá. Os
tios, da zona, vagabundos e seresteiros à la Jaime Ovalle tocavam a mais pura
música popular brasileira tradicional. Só que, coitadinhos, morreram disso sem
deixar-me o legado de seu espírito aventureiro. Mas Ray Charles arrasava na
vitrola de Dona Celeste e eu, já naquelas alturas, antevendo a cegueira mental
que iria trazer-me ao sucesso de hoje, poderia dar os olhos da cara para cantar
como ele.
Por
estranho que possa parecer, vem de lá minha singular familiaridade com o sucesso.
Os irmãos Silva – Orlando, Anísio e Roberto – levaram-me insensivelmente aos
laços de amizade com os irmãos Andrade do Modernismo. Eles são Mário, Carlos e
Osvald que, por sua vez, me depositaram no colo dos irmãos Campos do
concretismo, Augusto e Haroldo – onde estou até hoje e, queiram ou não as musas
mais amenas, ficarei para sempre. Ah! não vou esquecer os Irmãos Jovem Guarda –
Erasmo Carlos, um elogio da loucura e Roberto Carlos, Rei da Juventude, um rei
meu, que sou eterno rapaz latino-americano embora republicano.
Para
terminar, o inevitável conselho aos novos: não aceitem conselhos de gente como
eu. Não me sigam que não sou novela. Aliás, mestres como eu não gostam de ser
seguidos; nem pela polícia, nem por investigadores matrimoniais, regiamente
pagos por suas mulheres, nem muito menos por discípulos. Façam como eu:
inventem. Ou melhor, não façam como eu: inventem”.
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