domingo, 22 de novembro de 2015

Este mês em "A voz Ipuanense".

A polêmica das cotas raciais.
Por Orandes Rocha*.

Sou amplamente favorável à política pública de cotas raciais adotada pelo Estado Brasileiro.

Dito isso, vamos ao texto...

Você já se questionou sobre qual a razão da criação de leis que beneficiem minorias, sejam elas étnicas, raciais ou de gênero?

O objetivo de tais leis é a de proteger tais minorias, historicamente prejudicadas; ou de lhes conferir uma melhor oportunidade no tempo presente em razão de uma situação de desvantagem em relação aos demais.

Eu explico.

Em razão de um quadro histórico de submissão da mulher em relação ao homem, cujos direitos nem sempre foram iguais para ambos (como voto, educação, divórcio e trabalho, que já foram negados às mulheres), faz-se necessário a criação de legislação de permita à mulher, uma condição de equiparação em relação ao homem.

Em razão de uma situação de desvantagem do portador de necessidades especiais, há a necessidade de leis que lhes garantam um melhor equilíbrio na disputa por emprego público por exemplo.

Há que se louvar então que projetos de leis beneficiando mulheres e portadores de necessidades especiais sejam vistos como um aperfeiçoamento de nossa - ainda jovem - democracia.

Mas e a questão racial? Qual seria sua razão?

Temos aqui um caso claro de leis que são elaboradas para saldar uma dívida histórica.

O Brasil é a maior nação negra fora da África, a presença da cultura afro na formação de nossa identidade cultural é inegável; seja na música e nas artes em geral, na religião, na culinária, em nosso idioma, no esporte,... os traços desta cultura são visíveis e talvez esta mistura de raça que aconteceu tão naturalmente faça do povo brasileiro esta gente tão especial.

Pena que esta miscigenação não aconteceu por vontade dos negros, mas em razão de uma das ações mais execráveis do ser humano: a escravidão.
Escravidão que nada mais é que a dominação de determinado grupo humano por outro em razão de sua cor de pele, raça, etnia ou religião.

Um processo histórico existente desde que o homem se organizou em sociedades e que apenas no século XIX foi oficialmente banido.

Imaginem agora o Brasil, que durante 300 anos trouxe para suas terras, capturados como animais e trazidos em condições sub humanas em navios negreiros, pessoas que na África eram livres.

E aqui os fizeram trabalhar sem qualquer remuneração, com alimentação e moradia precários, maus tratos físicos, lhes proibiram de praticar sua cultura e religião, obrigando-os a seguir a religião oficial brasileira; negando-lhes qualquer direito que demais cidadãos brasileiros tinham.

E após estes 300 anos, são libertos. Ou melhor, soltos, já que sua libertação não foi precedida de planejamento, nem sucedida de qualquer compensação financeira pelos anos de opressão.

Onde este enorme contingente de novos cidadãos iria morar? Onde iriam trabalhar? Como o Império garantiria que tivessem os mesmos direitos que os demais cidadãos? Estas e outras questões sequer passaram pela cabeça da Princesa Isabel naquele maio de 1888.
A Lei Áurea tinha apenas 2 artigos:

Art. 1° É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil.
Art. 2° Revogam-se as disposições em contrário.

Uma lei festejada e com justiça, mas tardia, pois o Brasil foi o último país da América a decretar legalmente o fim da escravidão.

Uma lei existente há 127 anos e que na prática equiparou os negros escravos à condição de cidadãos, portanto portadores dos mesmos direitos que qualquer outro cidadão brasileiro.

Direitos que antes de 1888 lhes eram negados, como por exemplo o direito à participação política, à aquisição de bens imóveis, e tantos outros... Obviamente salvo as muitas exceções de personalidades negras notáveis na nossa História (Machado de Assis, José do Patrocínio, e a lista é longa) que, filhos de escravos libertos ou por razões de “costas quentes” conseguiram uma participação política e social e mesmo de direitos civis que a maioria acondicionada nas senzalas não possuíam. A história de vida destas pessoas foram exceções, infelizmente não foi a regra da história de vida do negro Brasileiro ao longo do Império (1822 – 1889).

Há 127 anos o negro tem, oficialmente, os mesmos direitos que os brancos no Brasil, têm a possibilidade, por exemplo, de acumular riqueza e constituir um patrimônio para que seus descendentes possam ter uma vida melhor.

Cento e vinte e sete anos são não mais que 7 ou 8** gerações.

Dez gerações livres pra poder começar a construir sua história econômica, política e social.

Período muito curto para que uma nação toda possa ascender socialmente da maneira como os demais, que assim o fazem há séculos, ou você que me lê agora, branquelo como eu, imagina que algum de seus antepassados (desde que não foram negros ou índios) possa ter sido escravo sem direito a constituir pratrimônio?

Os negros no Brasil têm esta certeza, a de que algum de seus antepassados foi tratado como mercadoria e alijado de qualquer direito civil.

Concluo disso tudo que após 3 séculos de opressão, violência (física e cultural) e negação de direitos básicos, após uma lei tardia que não pensou na situação dos beneficiados, e sobretudo, ao histórico de preconceito que lamentavelmente ainda existe em nosso país; é imperativo que haja uma política racial que vise conferir à esta nação - que tanto sofreu e tanto contribuiu com nosso país – um nivelamento de condições em relação àqueles que nunca passaram por nada semelhante e tampouco sofrem preconceito.

Como por exemplo, a política de cotas.

Cotas em Universidade e em concursos públicos, onde a discriminação racial é evidente, onde a injustiça é mais visível.

Política de cotas não é esmola, mas uma compensação, o pagamento de uma dívida histórica que temos com os afrodescendentes após séculos de exploração, uma maneira de repararmos aos descendentes, o crime que o Estado Brasileiro cometeu com seus ancestrais.

Mais do que um direito do negro, a política de cotas é uma obrigação do Estado.

Como obrigação também é do Estado garantir que sua cultura, tradição e história seja valorizada e perpetuada como parte integrante da identidade cultural brasileira.

*Orandes Rocha é professor. E só é branco por fora.

**Corrigido no Blog.

Nenhum comentário:

Postar um comentário