A polêmica das cotas raciais.
Por Orandes Rocha*.
Sou amplamente favorável à política pública
de cotas raciais adotada pelo Estado Brasileiro.
Dito isso, vamos ao texto...
Você já se questionou sobre qual a razão da
criação de leis que beneficiem minorias, sejam elas étnicas, raciais ou de
gênero?
O objetivo de tais leis é a de proteger tais
minorias, historicamente prejudicadas; ou de lhes conferir uma melhor
oportunidade no tempo presente em razão de uma situação de desvantagem em
relação aos demais.
Eu explico.
Em razão de um quadro histórico de submissão
da mulher em relação ao homem, cujos direitos nem sempre foram iguais para
ambos (como voto, educação, divórcio e trabalho, que já foram negados às
mulheres), faz-se necessário a criação de legislação de permita à mulher, uma
condição de equiparação em relação ao homem.
Em razão de uma situação de desvantagem do
portador de necessidades especiais, há a necessidade de leis que lhes garantam
um melhor equilíbrio na disputa por emprego público por exemplo.
Há que se louvar então que projetos de leis
beneficiando mulheres e portadores de necessidades especiais sejam vistos como
um aperfeiçoamento de nossa - ainda jovem - democracia.
Mas e a questão racial? Qual seria sua razão?
Temos aqui um caso claro de leis que são
elaboradas para saldar uma dívida histórica.
O Brasil é a maior nação negra fora da
África, a presença da cultura afro na formação de nossa identidade cultural é inegável;
seja na música e nas artes em geral, na religião, na culinária, em nosso
idioma, no esporte,... os traços desta cultura são visíveis e talvez esta
mistura de raça que aconteceu tão naturalmente faça do povo brasileiro esta
gente tão especial.
Pena que esta miscigenação não aconteceu por
vontade dos negros, mas em razão de uma das ações mais execráveis do ser
humano: a escravidão.
Escravidão que nada mais é que a dominação de
determinado grupo humano por outro em razão de sua cor de pele, raça, etnia ou
religião.
Um processo histórico existente desde que o
homem se organizou em sociedades e que apenas no século XIX foi oficialmente
banido.
Imaginem agora o Brasil, que durante 300 anos
trouxe para suas terras, capturados como animais e trazidos em condições sub
humanas em navios negreiros, pessoas que na África eram livres.
E aqui os fizeram trabalhar sem qualquer
remuneração, com alimentação e moradia precários, maus tratos físicos, lhes
proibiram de praticar sua cultura e religião, obrigando-os a seguir a religião
oficial brasileira; negando-lhes qualquer direito que demais cidadãos
brasileiros tinham.
E após estes 300 anos, são libertos. Ou
melhor, soltos, já que sua libertação não foi precedida de planejamento, nem
sucedida de qualquer compensação financeira pelos anos de opressão.
Onde este enorme contingente de novos
cidadãos iria morar? Onde iriam trabalhar? Como o Império garantiria que
tivessem os mesmos direitos que os demais cidadãos? Estas e outras questões
sequer passaram pela cabeça da Princesa Isabel naquele maio de 1888.
A Lei Áurea tinha apenas 2 artigos:
Art. 1°
É declarada extinta, desde a data desta Lei, a escravidão no Brasil.
Art. 2° Revogam-se as disposições em contrário.
Uma lei festejada e com justiça, mas tardia,
pois o Brasil foi o último país da América a decretar legalmente o fim da
escravidão.
Uma lei existente há 127 anos e que na
prática equiparou os negros escravos à condição de cidadãos, portanto
portadores dos mesmos direitos que qualquer outro cidadão brasileiro.
Direitos que antes de 1888 lhes eram negados,
como por exemplo o direito à participação política, à aquisição de bens
imóveis, e tantos outros... Obviamente salvo as muitas exceções de
personalidades negras notáveis na nossa História (Machado de Assis, José do
Patrocínio, e a lista é longa) que, filhos de escravos libertos ou por razões
de “costas quentes” conseguiram uma participação política e social e mesmo de
direitos civis que a maioria acondicionada nas senzalas não possuíam. A
história de vida destas pessoas foram exceções, infelizmente não foi a regra da
história de vida do negro Brasileiro ao longo do Império (1822 – 1889).
Há 127 anos o negro tem, oficialmente, os
mesmos direitos que os brancos no Brasil, têm a possibilidade, por exemplo, de
acumular riqueza e constituir um patrimônio para que seus descendentes possam
ter uma vida melhor.
Cento e vinte e sete anos são não mais que 7 ou 8**
gerações.
Dez gerações livres pra poder começar a
construir sua história econômica, política e social.
Período muito curto para que uma nação toda
possa ascender socialmente da maneira como os demais, que assim o fazem há
séculos, ou você que me lê agora, branquelo como eu, imagina que algum de seus
antepassados (desde que não foram negros ou índios) possa ter sido escravo sem
direito a constituir pratrimônio?
Os negros no Brasil têm esta certeza, a de
que algum de seus antepassados foi tratado como mercadoria e alijado de
qualquer direito civil.
Concluo disso tudo que após 3 séculos de
opressão, violência (física e cultural) e negação de direitos básicos, após uma
lei tardia que não pensou na situação dos beneficiados, e sobretudo, ao
histórico de preconceito que lamentavelmente ainda existe em nosso país; é
imperativo que haja uma política racial que vise conferir à esta nação - que
tanto sofreu e tanto contribuiu com nosso país – um nivelamento de condições em
relação àqueles que nunca passaram por nada semelhante e tampouco sofrem
preconceito.
Como por exemplo, a política de cotas.
Cotas em Universidade e em concursos
públicos, onde a discriminação racial é evidente, onde a injustiça é mais
visível.
Política de cotas não é esmola, mas uma
compensação, o pagamento de uma dívida histórica que temos com os
afrodescendentes após séculos de exploração, uma maneira de repararmos aos
descendentes, o crime que o Estado Brasileiro cometeu com seus ancestrais.
Mais do que um direito do negro, a política de
cotas é uma obrigação do Estado.
Como obrigação também é do Estado garantir
que sua cultura, tradição e história seja valorizada e perpetuada como parte
integrante da identidade cultural brasileira.
*Orandes Rocha é professor. E só é branco por
fora.
**Corrigido no Blog.