Garantia do Direito à Educação ou cumprimento do dever?
Por Orandes Rocha*.
Fui convidado para ser o Palestrante que
abriria o I Encontro Regional de Direito à Educação, promovido pelo Centro de
Ensino Superior de São Gotardo/MG (CESG), para falar sobre o Plano Nacional da
Educação (PNE) com a seguinte provocação: Garantia do Direito à Educação ou
cumprimento do dever?
A plateia, composta por alunos e alunas do
Direito e da Pedagogia, exigia de mim uma resposta não simplória para uma
questão tão complexa.
Por um lado, exaltamos aos quatro ventos que
Educação nos é um direito, inclusive constitucional, mas nos esquecemos muitas
vezes que para todo direito à uma correspondência: o dever.
O que é direito para alguém é dever para outro
alguém. O outro alguém, no caso, é o Poder Público, seja ele Municipal,
Estadual ou Federal, cada um dentro das suas competências legais.
O binômio direito/dever é, portanto,
indissociável.
Na ocasião, ousei divagar sobre a
subjetividade do direito à Educação.
O art 5º da LDB traz que a Educação é um
direito público subjetivo para especificar que, cabe ao cidadão exigir das
autoridades competentes a contemplação deste direito, portanto é facultando ao
indivíduo a contemplação deste direito.
Subjetividade essa que deve ser vista com
cautela, uma vez que pena nossa legislação o ensino era obrigatório dos 7 aos
14 anos e agora dos 4 aos 17 anos. Neste caso, não cabe ao indivíduo a decisão
de acionar o direito ou não.
Cito a questão da obrigatoriedade para introduzir
o outro lado da moeda: o dever.
Tudo o que é direito para alguém encontra o
correspondente dever em outrem.
Evidente que ao tornar obrigatória a
escolaridade e direito do cidadão à Educação Básica o Estado tem o dever de
garantir que este direito seja efetivado.
Razão pela qual a oferta de vagas é
imprescindível, não podendo ser negada sob nenhuma circunstância. O aluno tem o
direito à matrícula na escola pública que ele bem entender.
Curioso como ao excluir a Educação Infantil e
o Ensino Superior do binômio direito/dever o Estado praticamente “passa recibo”
de que é incapaz de garantir estas modalidades de ensinos a todos cidadãos e
cidadãs.
Tornar a Educação Infantil obrigatória,
obrigaria o Estado a oferecer, por exemplo, vagas em creches a todas as
crianças. O mesmo com o Ensino Superior.
Aliás, este último um gargalo impossível de
ser desfeito, haja visto que Universidade Pública no Brasil é para poucos,
quando deveria ser para todos, como discutirei adiante.
Mas creche é um gargalo passível de ser
desfeito, basta investimento maciço nesta etapa da educação que até 20 anos
atrás era tratada (e financiada) como responsabilidade da Assistência Social e
não da Educação.
Não por outra razão em mais de 60 anos de
História Ipuanense apenas 4 Creches foram construídas pelo Poder Público, sendo
uma delas ampliada mais tarde. Coincidentemente, esta a que me refiro, foi
construída e ampliada durante nossa gestão a frente do Departamento de Educação
do Município.
O PNE traz em sua Meta 1 a questão da Educação
Infantil com os objetivos de universalizar a educação infantil e atender à
metade da demanda por vagas em Creche.
O reconhecimento, como disse antes, de ser
impossível oferecer creche a todos mas uma sinalização de que o objetivo desta
meta é minorar o problema pela metade. Para isso, há inúmeras estratégias
inclusive com financiamento público para construção de creches.
Divagações como estas me levam a refletir
sobre outro binômio presente na educação: quantidade/qualidade.
Ao oferecer vagar a todos, ao eliminar o
analfabetismo funcional, ao dobrar vagas etc o PNE estipula trabalha com
quantidade, mas e a qualidade?
A qualidade expressa na Meta 7 refere-se à
Educação Básica, aferida pelo índice oficial, o IDEB.
Mas o IDEB de fato avalia a qualidade do ensino?
Essa questão daria resposta para outro
artigo, e não vem ao caso no momento.
O que discuto é a questão da qualidade nem
sempre acompanhada da quantidade.
Universidade Pública por exemplo. A
Universidade de São Paulo (USP) se jacta - e com todos os méritos e justiça -
de ser a melhor Universidade Brasileira ranqueada no QS World University
Ranking, única Brasileira entre os 200 primeiros lugares, classificada em 120º
na edição de 2016 do referido ranking.
Mas eu pergunto: Para quem é a USP?
Para uma minoria privilegiada que, por seus
próprios méritos, destaco, conseguiram uma vaga na melhor Universidade do
Brasil e uma das melhores do Mundo.
O que me leva a outra pergunta: Por que não “USP”
para todos?
Soa meio utópico, mas utópico eu sou, desejar
que a Universidade Pública deva ser, como a Educação Básica, para todos, e que
a Universidade Pública seja de qualidade, como a USP e tantas outras no Brasil.
Como bem dizia – e diz – Mário Sérgio
Cortella, "Qualidade sem quantidade
não é qualidade, é privilégio... Qualidade social exige quantidade total“.
A Universidade Pública, sob esse prisma, é,
infelizmente, um privilégio.
Mas tanto a quantidade como a qualidade
necessitam de investimento financeiro. Em outras palavras: dinheiro.
O PNE traz consigo em sua meta 20 a fonte de
recursos de onde sairia todo o dinheiro necessário (a revista Exame calculou em
R$ 800 bilhões nos 10 anos de execução do Plano) que prevê maciço investimento
na Educação e a meta audaciosa de elevar a porcentagem do PIB nacional aplicado
em Educação dos atuais 5% para 10% em 2024.
Preocupa que valor tão alto de investimento
tenha sido depositado no produto que, quando da elaboração, votação e aprovação
do PNE, era a menina dos olhos do Governo Federal: O Pré Sal.
Segundo o PNE, 75% dos Royalties do Pré Sal
seria destinado à Educação, além de 50% de um Fundo Social a ser criado.
Depositar o investimento da educação nacional
em um produto que ainda sequer tinha jorrado nas torneiras da empresa
prospectora é o mesmo que garantir a compra de um carro com o prêmio da loteria
que espero ganhar semana que vem.
Quando da definição de boa parte do
financiamento do PNE por meio do Pré Sal, o preço do barril de petróleo era
aproximadamente US$110,00; enquanto em abril último este preço estava em pouco
mais de US$50,00.
Em outras palavras: nosso “bilhete de
loteria” desvalorizou pela metade em poucos anos, inviabilizando a “compra do
carro”.
Como tentei explicar na palestra adaptada a
este texto, o Direito à Educação encontra-se na mesma medida que o Dever do
Estado, e este deve ser balizado pelo binômio quantidade/qualidade se quisermos
de fato ter a Educação que sonhamos.
O PNE foi uma ótima iniciativa neste sentido,
mas convenhamos, com o planejamento financeiro (indispensável, pois não se faz
Educação em dinheiro) que foi realizado, corre o mesmo risco de ser um Plano
que apontará evoluções, mas não o cumprimento efetivo de suas metas.
*Orandes Rocha, com todo respeito aos que
vivem disso, acha palestra um dinheiro preguiçoso.
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