domingo, 28 de junho de 2020

Doutor é quem faz Doutorado?

Sempre que me deparo com essa pergunta fico tentado a responder: "Também". 

E quem sabe uma versão estendida da minha resposta, mesmo que fique repetitiva: "Também; mas não só".

Isso porque não é de hoje que defendo que Doutor não é só quem tem Doutorado. E por que defendo que não apenas concluintes da Pós Graduação (Strictu Senso) em nível de Doutorado podem ser chamados de doutores?

Essa resposta, que difere da grande maioria dos colegas acadêmicos que conheço e convivo (muitos desses já escrevendo para me xingar), requer uma explicação baseada em um contexto histórico, na tradição e na reverência (respeito).

Vou explicar.

A maioria dos acadêmicos rechaça o uso do "Dr" para os não Doutorados alegando que "Doutor" é título e não Pronome de Tratamento.

Mas como nasceu o uso de "Dr" para os não doutorados?

Vejamos...

A 1ª instituição de ensino superior no Brasil (ainda não chamada de Faculdade) foi a Escola de Cirurgia da Bahia, em Salvador no ano de 1808. Esta é considerada a 1ª faculdade de Medicina e a 1ª faculdade do País.

Depois vieram a Faculdade de Direito em São Paulo (Largo do São Francisco, hoje USP) e a Faculdade de Direito de Olinda/PE, ambas em 1827.

Estamos falando no período de 200 anos atrás, século retrasado (XIX), e se hoje se formar em Medicina ou Direito é privilégio para poucos, ainda que haja centenas de cursos, imagine o privilégio que não era no distante século XIX.

Não tenho os dados, mas suponhamos que a 1ª turma de medicina no Brasil formou algo do tipo 50 médicos? Ser médico no país, à época, era quase um endeusamento.

Por essa razão, ser médico ou advogado há 200 anos atrás, era tratado com veneração, usando como distinção, dessas pessoas com tamanho prestígio, o termo "Doutor".

Doutor vem do latin "Docere", que significa ensinar. Dele deriva a palavra "Douto", que significa "pessoa que possui extensos conhecimentos, muito instruído, que revela erudição".

Ser Médico ou Advogado no Brasil Imperial era algo tão raro que, a esta minoria da sociedade brasileira, justificava-se serem chamados de "Doutor"; afinal pertenciam a uma elite acadêmica e profissional do Brasil, cujo elevado grau de especialização era enaltecido com o "Dr".

O tempo passou, felizmente os cursos superiores se expandiram e muitas faculdades e cursos foram abertos no país.

Manteve-se assim a tradição de chamar de "Dr" os profissionais da Medicina e do Direito, estendendo-se a outras áreas da saúde como Dentistas, Veterinários, Biomédicos, Fisioterapeutas e Psicólogos.

E do Direito, estendeu-se também o uso do "Doutor" a Juízes e Promotores, também como forma de reverência a tão valiosa carreira que requer elevado grau de especialização e distinção na sociedade. E assim, "Doutor" virou uma forma respeitosa de se chamar esses profissionais, substituindo o Excelência (mais usado para autoridades políticas) e o Meritíssimo (que fora do contexto do tribunal pode soar irônico, ou você se imagina na fila do açougue cumprimentando o juiz de sua cidade com um "boa tarde Meritíssimo"?).

Já o "Doutor" de quem fez Doutorado veio muito tempo depois das primeiras faculdades.

A Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado) no Brasil surgiu em 1965, pelo menos como parte integrante de Universidades. À época, já se chamavam médicos, dentistas, advogados e outros de "Doutor", termo já consagrado desde o século anterior ao surgimento dos primeiros cursos de Doutorado.

Antes de existirem os Doutores (Pós Graduados) já existiam ou Doutores (Graduados em Medicina, Direito, Odontologia,...).

E desde então o embate, nada produtivo, permanece: Doutor é quem tem Doutorado? Doutor é pronome de tratamento? Médico é Doutor? Advogado é Doutor?

Penso que trata-se de uma tradição legitimada pelo uso, a de chamar de "Doutor" esses profissionais de enorme distinção dentro de nossa sociedade.

Essa tradição é tão forte que, se você chamar alguém que tenha feito Doutorado (seja em qual área for) de "Dr fulano de tal", quem ouvir pensará tratar-se de um médico ou advogado, jamais de um pesquisador que defendeu uma Tese e concluiu seu Doutorado.

Além do mais, trata-se de uma reverência, pois não me imagino chamando meu médico de "médico fulano de tal", sendo que não tenho a intimidade de chamá-lo apenas pelo nome.

Tenho inúmeros amigos e parentes advogados e os chamo pelo nome dada a intimidade que temos, porém em um ambiente formal ou em documentos oficiais que eu possa lhes dirigir, certamente usarei o "Dr" na frente de seus nomes.

Concluindo: seja pela tradição e pela reverência que determinadas carreiras possuem, dada a alta complexidade de suas funções e importância dentro da sociedade e suas raízes históricas, entendo ser legítimo o uso do "Dr" para referir-se à inúmeros profissionais, ainda que em sua grande maioria, não possuam o título acadêmico de Doutor.

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